quinta-feira, 27 de agosto de 2009

TRANSFORMATIO - ceramica


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TRANSFORMATIO

O que une estas três mulheres que moldam a terra, matéria e tema de devaneios constantes? A simples ação modelante, as formas orgânicas, o binômio vida e morte, o dentro e fora, o velado? Incessantemente reimaginados, os temas recorrentes no trabalho das artistas falam de impulso inconsciente, de renovação, de passagem.

No ato do fazer, o processo íntimo de Soraia desperta a matéria com intensidade e encontra ossos, caixas, vermes, espermatozóides, casulos, lágrimas e, agora, frutos. Fechados, escondem o líquido, a carne, o segredo e o vazio, construtores da forma. Aberto, o grande fruto em decomposição revela as sementes/lágrimas vermelhas, prova de sofrimento, da morte cotidiana em nome da vida. Na solidificação da matéria, os frutos gerados pelas flores sustentam o homem e seu devir. Flor, fruto, sementes, tríade indissociável para simplesmente frutescer.

Das placas estendidas surgem o espessamento da pele, o revestimento, o invólucro exterior, espectro do que antes sustentava a matéria dos troncos. No espaço desabitado, na realidade autônoma de sua materialidade, Akiko constrói suas cascas. O tema revela a vida campesina, a observação extremada das superfícies que são marcadas, texturizadas cada vez com mais gestualidade. O trabalho inicial, pequeno e detalhado, vai se transformando, conquistando as superfícies toscas, construindo crostas endurecidas, ora opacificadas, ora brilhantes, um somatório das pesquisas da também pintora colorista. A transformação do invólucro exterior que se renova é marca da passagem do tempo.

Da história familiar guarda registros mnemônicos, quase fotográficos, dos samurais a executar inimigos; da sala de aula, a decomposição dos corpos pálidos. Hoje, a partir dessas referências, Claudine encapsula órgãos em vidros assemelhados aos de laboratório, como que a alertar sobre a efemeridade, a responsabilidade e a fragilidade da vida. Pulmões, coração, intestinos, organismos vivos, sementeiras dos ciclos. Ao mesmo tempo, festeja a união dos corpos, dos prazeres sob os lençóis. Casais se revelam nas dobras dos panos e perdem a cabeça. Claudine propõe ao espectador a meditação e a ação contemplativa ao exorcizar nos órgãos e corpos conteúdos de cunhagem profunda. A parte e o todo.

Akiko e Claudine em silenciosa cumplicidade apresentam nesta exposição uma obra realizada a quatro mãos. Os olhos revelam as intenções no processo de tele inerente aos que se conhecem. Desse encontro nascem aros pintados pelo vidrado transparente e pela fumaça da queima em redução. Em atitude intimista, mostram o anverso e o reverso dos círculos em ciclo.

Modelar, deixar sair a água – “ser em vertigem”, para Bachelard –, esgotar-se a pouco e pouco na fúria do fogo, esvaziar-se para novamente buscar a idéia, o cheio e rebentar. Como algo pode mudar e ainda ser considerado a mesma coisa?

Marília Diaz
Artista plástica e professora da UFPR


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